BOLIVIA [parinacota – face norte]
Em 2019, dentro da actividade de comemoração do 75 anos do Clube Nacional Montanhismo, realizei uma viagem à Bolívia com o objectivo de subir alguns cumes da zona do Parque de Sajama.
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Entramos na Bolívia aterrando em La Paz, a capital mais alta do mundo. Para quem vem do nível do mar, aterrar a 3800 metros é só por si um autentico desafio. Para permitir alguma aclimatação é obrigatório passar alguns dias por esta altitude. Com esse objectivo optamos por passar o dia seguinte num ligeiro passeio por La Paz e a preparar uma deslocação à Puerta Del Sol (em Tiauanaco) e ao Lago Titicaca. Sendo locais com uma altitude similar a La Paz, e cuja deslocação não exigia esforço físico, aproveitamos para conhecer estes locais fantásticos e continuar a climatização. Para tal atravessamos grande parte de La Paz num dos maiores sistemas de telefónicos de todo o mundo e que foi pensado para resolver o problema de transporte numa cidade com grandes desníveis, rua antigas e estreitas e um transito brutal. Estes teleférico funcionam como um metro, mas por cima da cidade, ligando algumas zonas mais pobre ai seu centro.
Depois deste passeio voltamos a passar outro dia mais calmo em La Paz a descansar e a preparar o próximo objectivo, mantendo a mesma filosofia de não subir muito e pouco esforço físico. Desta vez a ideia era uma travessia do Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo. Com mais de 10.500 km2 e uma altitude de 3600 metros, é o único ponto brilhante natural do nosso planeta que pode ser visto do espaço. De forma a aproveitar melhor os dias realizamos ambas as viagens de 8 horas de autocarro entre La Paz e Uyuni, durante a noite. Em Uyuni seguimos em jeeps para um percurso, só para nós, de dois dias passando em locais tão icónicos como o cemitério dos comboios, a vila de Colchani, o hotel do sal, o monumento do Dakar e a praça das bandeiras, a ilha do Incahuasi, a vila de Coquesa ou os géiseres. Sem duvida um local a não perder!
A seguir a estes dias de um descanso activo, fazemos a viagem de 3 horas até à vila de Sajama, e ao hostal com o mesmo nome onde ficamos. A povoação está a 4200 metros (mais 500 metros do que La Paz) pelo que aproveitamos para fazer mais dois dias de aclimatação. Aproveitamos para uma incursão ao campo base (4800 metros) do Nevado Sajama que com os seus 6542 metros de altitude é o cume mais alto da Bolivia.
Depois de nove dias estadia em altitude resolvemos tentar o primeiro cume: o Parinacota com 6348 metros, é um dos mais bonitos vulcões com o seu cone perfeito. Este cume é, como a maioria nesta zona, vulcão e que se encontra localizado na fronteira entre a Bolívia e o Chile, sendo que actualmente se encontra inactivo. Tem um outro cume muito próximo, chamado Pomerape com 6282 metros, existindo um colo entre os dois. Com o seus cones as duas montanhas parecem gémeas. Localmente são chamadas de Payachatas, norte e sul.
Como quase todos os cumes à volta da vila de Sajama, a aproximação ao campo base é longa e é obrigatória que seja feita de veiculo 4×4 de forma conseguirmos subir os caminhos de areia vulcânica e rentabilizara subida. São mais de 20 kms de distancia e 1000 metros de desnível para chegarmos ao refugio existente na base. Em 2019 o aluguer do jeep para efectuar esta deslocação, levar-nos e a ir-nos buscar, custou 350 dólares. Um valor mais agradável quando dividimos por grupo maior como foi o nosso caso. A aproximação é feita por estradões de terra batida só aptos a veículos 4×4. Nos guias que vimos o acampamento base está marcado bem mais baixo e no local, onde é considerado agora o campo base, vem indicado como campo base avançado. Neste local encontramos um refugio muito básico, e que parcialmente ainda se encontrava em construção, onde encontramos alguns beliches, uma sala, e algo que que podemos chamar de WC no exterior, que nos permite passar a noite com mais espaço que na tenda. Aqui não há agua, pelo que é necessário transportar o que vamos precisar, nem fogões. Este refugio é gerido por uma associação (chamada de Ecoprosepa) de uma povoação próxima e em 2019 custava entre a 40 a 50 bolivianos por noite, por pessoa. Apesar de estar aberto era necessário reservar.
Saímos do campo base eram 4 horas da manhã, não pela necessidade de ter condições de gelo ou neve, mas pelo numero de horas necessárias pelas condições do terreno e altitude. A via sobe até ao colo entre o Parinacota e o Pomerape para de seguida seguir a pendente do primeiro. Até próximo dos 5800 metros subimos por caminho de terra solta e blocos. A partir deste ponto encontramos neve e os temidos penitentes. Os que nós encontramos não eram muito altos (e que noutras cumes impedem mesmo a subida) mas davam-nos em media pelo joelho criando um terreno sempre irregular onde precisamos de sucessivamente passar os pés entre cada intervalo de penitentes de forma a podermos avançar. Extremamente cansativo e esgotante, tanto fisicamente como mentalmente, ao ter que permanentemente procurar a melhor posição para cada passo e permitindo manter qualquer tipo de ritmo. Se a isso juntarmos a altitude foi efectivamente um cume de muito esforço. Dos dez iniciais chegamos dois ao cimo e outros dois rondaram aos 6000 metros.
Tal como a subida a descida foi também uma luta. Sem termos uma pendente continua e sem quase não conseguir andar em cima dos penitentes, a descida também nos obrigou a passar os pés nos intervalos destes tentando não ganhar velocidade para não dar cabo de um joelho ou perna. No entanto soubemos que nem todos os anos as condições são tão más, e há anos em que a subida é uma pala de neve continua. Pelo que pudemos observar enquanto lá estivemos, e a julgar pelos grupos que soubemos que tentaram, a taxa de sucesso deve ter rondado os 10-20%, mesmo para grupos acompanhados por guias.
Ao chegar ao rebordo da cratera é necessário contornar para chegar ao cimo propriamente dito. Esta zona, talvez devido à influencia da cratera ou do vento, não existem penitentes. Foram cerca de 10 horas de subida e 5 de descida. Já era final da tarde quando chegamos novamente ao refugio para passar a noite. Muitos grupos marcam o final do dia da subida para os jeeps os irem buscar. Não aconselho isso pois obriga a ter uma hora fixa para estar no campo base, o que geralmente é cedo de forma ao transporte estar de regresso a Sajama antes do jantar. Acho que melhor solução é marcar para o dia seguinte à subida de forma a estar com mais margem. Parte do nosso grupo regressou no mesmo dia mas quem subiu mais alto, ou fez cume, acabou por regressar no dia seguinte num jeep que levou outro grupo para tentar a subida num só dia (os guias locais e condutores vão dar sugestão de fazer dessa forma mas para pessoas “normais” não acho que seja solução, a não ser para quem ganha dinheiro nas tentativas).
No mesmo dia em que descemos ainda tivemos tempo para um mergulho em uma das piscina de agua aquecida pela fontes vulcânicas existentes perto de Sajama. Uma forma excelente para terminar a actividade!
Alojamento em La Paz: Existem muitos pequenos hotéis em La Paz, em especial na zona mais turística junto ao mercado das Bruxas, ao Museu da Coca e à igreja e Museu San Francisco.. Nós ficamos no hotel Sagarnaga, pequeno, simpático e limpo, com preços acessíveis e um restaurante agradável. Foi através da agência deles que contratamos as deslocações para Lago Titicaca, a volta no Salar de Uyuni e a ida e volta para Sajama. Inclusivamente guardaram-nos as coisas enquanto fomos ao Salar sem qualquer problema. Este hotel marcamos de Portugal o que nos permitiu ter transporte entre o aeroporto e o hotel quando chegamos e quando partimos.
Chegar a Sajama: Existem varias opções de transporte entre as linhas regulares até ao aluguer de táxis. Nós, como estávamos num grupo, optamos por contratar um mini bus directamente na agência existente no hotel. Não ficou mais barato mas permitiu-nos escolher os horários e não estar preocupados a vigiar a bagagem em cada paragem do autocarro normal.
Alojamento em Sajama: Apesar de existirem vários nós optamos por ficar no Hostal Sajama que tinha as melhores opiniões e era dentro de Sajama, algo que não acontecia com todos. Existe pelo menos outro em Sajama, o Oasis, que na altura nos pareceu mais fraco. Também para este alojamento agendamos de Portugal apesar de não ter sido um processo fácil para nos entendermos com proprietário via email.
Transportes Sajama: Apesar de tentarmos varias opções de transportes entre os locais onde estivemos acabamos por optar por alugar os jeeps existentes no hotel o que também nos permitiu gerir melhor o relacionamento e horários. O dono do Hostal é guia local pelo que também pode fornecer algumas informações adicionais, apesar de uma forma geral tentam vender a parte guiada e esmorecer a vontade de quem tenta ir sozinho.
Alimentação: Quando não estávamos na montanha nós comemos quase sempre nos hotéis, e por vezes em restaurantes. No que se refere à alimentação para as actividades levamos o que mais gostávamos de Portugal, inclusive no que se refere aos liofilizados para as refeições maiores. De qualquer forma é possível encontrar alguma comida desidratada ou snacks numa das várias lojas de montanha que tínhamos disponíveis nas ruas próximas do hotel em La Paz. Como fogões usamos os normais a gás de rosca e para-ventos tipo Jetboil e compramos também nas lojas de material de montanha . Não houve dificuldade em encontrar mas convém comparar pois os preços variam de local para local.
Equipamento: Apesar de não apanharmos temperaturas muito mais baixas do que, por exemplo, nos Alpes, vimos vários relatos que pessoas que apanharam até 20 graus negativos e princípios de congelações. Estas temperaturas tem essencialmente a ver com ventos que podemos apanhar, a sensação térmica muito baixa que originam e com o ar seco que transportam. Esse é o principal perigo destas montanhas depois da altitude. Sendo locais muito aberto de planalto o vento não tem praticamente nenhum obstáculo. Nós levamos casacos de penas grossos, sem ser de expedição, em conjugação com outras camadas de casacos de fibras, forro polar e impermeável de membrana como corta-vento. Sem ser no hotel, eu nunca usei o casaco grosso em altitude. Para as pernas chegaram as calças de primeira camada, forro polar e impermeável de membrana como corta vento. Para quem tenha um pouco mais de frio um suplemento pode ser interessante. Em relação às botas tivemos quem arrisca-se com umas botas iguais às que levaria para os Alpes. No meu caso reforcei com um cobre-botas integral e usando meias de lã de merino. A conjugação funcionou muito bem sem ter necessitado de investir muito. As luvas é algo que vale a pena investir, sendo que as manapolas são uma boa solução para este tipo de terreno menos técnico, mantendo bem as mãos quentes. Algo muito recomendável é levar bastões. Ajudam muito nas descidas através dos penitentes ou do cascalho.
Livros e Mapas: Não existem muitos livros sobre estas montanhas ao contrario de outros maciços da Bolivia. Um bom livro, que foi escrito já alguns anos mas tem muitas informações sobre as vias, trata-se do livro Bolivia: A Climbing Guide de Yossi Brain e Paula Thurman. Apesar de já não estar a ser editado, ainda conseguimos encontrar alguns exemplares à venda na internet. Uma solução mais recente, apesar de só existir para Kindle, é o livro Cordillera Occidental: The Andes, a Guide For Climbers de John Biggar, que tem também boa informação e é barato.
Em relação aos mapas soube que é possivel adquirir em La Paz numa livraria oficial, mas eu optei por comprar uma edição em livro de 2018 Hiking & Trekking in Sajama National Park de Sergio Mazitto. Tem excelentes desenhos e é recente.
Além dos livros podemos encontrar várias descrições de actividades neste maciço na internet.
População: o povo boliviano não é de muita empatia. Apesar de não serem antipáticos de uma forma geral, não são um povo com um relacionamento fácil e aberto. No entanto o pais tem muito para ver e montanhas para conhecer que bem valem a viagem.